quinta-feira, 9 de maio de 2013

O passado na televisão

A Revista de História apresenta um artigo que analisa como o passado é abordado na televisão.
Até a próxima!

O passado é pop

Sempre presente em produtos do entretenimento, a história se torna cada vez mais popular

Alice Melo

  • Capa do vinil com trilha sonora da novela
    Capa do vinil com trilha sonora da novela
    Quando a televisão surgiu no Brasil, na década de 1950, ainda não havia uma linguagem audiovisual própria para este meio de comunicação de massa. Muito se foi importado do rádio, do cinema, teatro e literatura. Para atrair os curiosos, a telinha oferecia uma programação que misturava antiguidade e novidade. O teleteatro, por exemplo, foi o embrião da atual telenovela –a qual teve o modelo conhecido por nós hoje consolidado na década de 1970.

    Foi também na década de 1970 que a história do Brasil começou a ser inserida no cenário dramático da TV. Antes, o nosso passado só aparecia de forma “tímida”, como explica Mauro Alencar, doutor em Teledramaturgia Brasileira e Latino-Americana pela USP e membro da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. Segundo Alencar, foi a partir dali que os “personagens e tramas começaram a sair de um contexto maior: não se movimentavam apenas de acordo com suas emoções, eram fruto (como de fato, somos) de fatores sociais, políticos e econômicos”.


    Um exemplo que o pesquisador cita é a novela “Os Ossos do Barão” (1973), de Jorge Andrade, transmitida pela Rede Globo. Para Alencar, o caso é interessante por ter usado a história em harmonia com a ficção, retratando muito bem o contexto social e econômico da época do ciclo do café no Oeste Paulista, além de inserir conflitos amorosos, raciais e a dificuldade de enfrentar a velhice.  “A novela foi considerada inclusive por seus protagonistas - Paulo Gracindo e Lima Duarte - como um verdadeiro ‘tratado sociológico’”, comenta ele.

    Os usos do nosso passado na telinha não congelaram na década em que o regime militar conduzia o país com rédeas curtas. Eles avançaram no tempo e são comuns até hoje. Em exibição na televisão aberta, temos pelo menos dois casos das chamadas “novelas de época”. “Amor e Revolução”, um melodrama do SBT que se passa durante o final dos anos 60, e “Cordel Encantado”, uma ficção da Globo que utiliza lendas da Rússia, contos de fadas e literatura de cordel para a construção da narrativa. Neste último caso, a história é um pano de fundo, a ficção é a protagonista. O primeiro exemplo já é um pouco diferente. Ali, como mesmo indica Alencar, “a história faz a trama”.

    Ditadura em foco...Um grupo de guerrilheiros discute no jardim de uma casa um plano para salvar um companheiro enfermo das garras e vigília de membros do exército durante o regime militar. Armas na cintura, cenhos franzidos, olhar preocupado, alguns fios de cabelo fora do lugar. A cena até poderia integrar um relato de esquerdistas brasileiros que participaram da luta armada contra o governo 40 anos atrás, mas, na verdade, é uma encenação gravada para integrar um capítulo de “Amor e Revolução”.
    O que torna a novela um caso diferente no mundo do entretenimento é a polêmica que a rodeia. A novela do SBT arremata baixíssimos índices no Ibope. Direção, atuação e diálogos são fracos, mas tem a audácia de revelar em rede nacional a tortura durante os chamados “anos de chumbo” – assunto que virou um tabu na nossa sociedade. No final de cada capítulo, depoimentos de pessoas que integraram movimentos da esquerda armada ou da direita situacionista durante aquela época, são exibidos por alguns minutos.

    Em meados de abril, o professor da Escola de Comunicação e Artes da USP, Eugênio Bucci, chegou a caracterizá-la como um “vexame” para a luta armada das décadas de 60, 70, em um artigo para o jornal O Estado de São Paulo. Apesar dos problemas, o professor defende a existência da obra pela tentativa de “revisitar” os traumas sociais daquela época. Em entrevista à Revista de História, Bucci comenta:

    “A novela faz ressalvas à questão do discurso dos guerrilheiros, que tem melodramatização excessiva; falta realismo onde queriam imprimir realismo. Os diálogos são pobres, há uma infantilização dos personagens da guerrilha. Por outro lado, os depoimentos de pessoas que participaram da guerrilha tratam de assuntos pouco abordados pela televisão. A novela não é importante, mas os depoimentos sim”.

    Mauro Alencar concorda com Bucci afirmando que acha positiva a exibição de “Amor e Revolução” pelo SBT: “Acho que é válido. Até porque não podemos esquecer que, de um modo ou de outro, é uma recriação da realidade, já que estamos falando de uma obra de ficção, com direito, inclusive, a trilha sonora. A partir dos ideais revolucionários eclodidos em 1964 e sua tensão com os militares, temos a construção dos conflitos básicos da novela”.

    História pop

    Apesar de não ser um fato novo, os usos da história pelo entretenimento vem, em certa medida, crescendo com o tempo. Hoje, não são apenas as novelas que tratam a história como pano de fundo ou – como vimos –protagonistas da própria narrativa: a demanda por livros de época, especialmente biografias de figuras importantes do passado, aumentou consideravelmente. Eugênio Bucci vê isso tudo interligado:

    “No Brasil, o desenvolvimento de livros de história escritos por jornalistas foi tardio, mas finalmente aconteceu. Isso acaba aumentando o nível de acesso à própria história”.

    Dadas as deixas, queremos saber: afinal o passado é ou não Pop? Alencar tem um palpite: “Não podemos compreender o presente e nem projetar o futuro sem revisitar o passado. Portanto, ele sempre será pop”.

    Fonte: Revista de História.

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